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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Crônica: "A BUNDA JÁ NÃO ABUNDA"

Bunda é palavra sonora, vogal, insinuante, simpática, risonha, franca, redonda, provocante, faceira e feminina. Quando muitos eram menino, ninguém chamava bunda de bumbum. Essa invenção de mau gosto é coisa recente. A bunda abundava plena. As avós mais puritanas a pronunciavam sem vergonha alguma. No diminutivo, quando se referindo às dos netos: injeção na bundinha; caiu de bundinha no chão. E bunda-canastra era brincadeira que todo menino pequeno brincava.
Feliz o povo que tem bunda. Os portugueses mesmo não têm. Nem bunda palavra nem bunda propriamente dita. Talvez por isso sejam tão melancólicos. Não têm dança de requebro. Usam uma única palavra (aquela de uma sílaba, palavra seca, áspera, aguda, dura; essa sim, feia) para se referir à parte e ao todo. Para que se avalie a aberração, seria como se chamássemos de amídala tanto o rosto quanto a própria amídala.
Por falta de bunda na língua lá deles, veja só o que disse Manuel Maria Barbosa Du Bocage: “(Era) a dama mais formosa, / E nunca se viu cu de tanta alvura.” Fosse brasileiro o gajo, saber-se-ia com precisão a que parte da dama se referia o poeta.
Nádega e região glútea, evidentemente, não valem. Seria o mesmo que chamar a bunda de senhora ou majestade. Assim, quando alguém ouvir a expressão “senhora bunda”, saiba que não se trata de saudação cerimoniosa, mas, apenas, do anúncio de uma bela bunda. Uma senhora bunda. Com todo respeito. Ou não.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, observador arguto e falso tímido — mineirice de come-quieto — era conhecedor, apreciador e versejador do tema: “A bunda está sempre sorrindo, nunca é trágica. /(...) A bunda são duas luas gêmeas / em rotundo meneio. Anda por si / na cadência mimosa, no milagre / de ser duas em uma, plenamente. / A bunda se diverte / por conta própria. E ama. / (...) Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz / na carícia de ser e balançar. / (...) A bunda é a bunda, / rebunda.”
As bundas propriamente ditas, rechonchudas e empinadas, nos foram trazidas pelas negras de etnia banta: angolanas, sobretudo angolanas; cabindas, benguelas, congolesas e moçambicanas. A bunda palavra nos veio da língua delas, o kimbundu: mbunda.
Eu me recuso a chamar bunda de bumbum. Bunda é bunda e bumbum não é nada. É ridículo, apenas. E o pior de tudo é que se diz bumbum como se bunda fosse palavrão. Na verdade, coisa feia é chamar uma bela bunda de...; vocês sabem, não vou mais repetir, nem hoje nem nunca, esse outro nome.
A bunda é afro-brasileira. Que abunde, pois.

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